domingo, 22 de novembro de 2009

9- Relógio

Entramos em casa abraçados, ainda cheirando a rosas. Eu segurando Isabel de costas, pela cintura, sentindo o cheiro do seu pescoço. O cheiro que amadureceu com ela, mas que não perdeu a essência.
Isabel era tão branquinha, tão cheirosa, tão encantadora! Uma melodia sublime da qual eu jamais cansava.
Olhamos o relógio na parede da cozinha. O tempo literalmente tinha parado para nós. Isabel suspirou profundamente e encheu duas canecas com chá de erva doce.
- Eu tenho tantas saudades, Téo. Essa época de carnaval me deixa saudosa demais, lembrando de tudo que já vivi. Tantos anos desde que saí dessa casa, tanto tempo! Onde estávamos, o que fizemos?
Isabel tinha razão. Eu não sabia, não tinha feito nada. Outro dia éramos crianças, tomando chá naquelas cadeiras para proteger nossos corpos do frio. Agora, éramos as mesmas crianças, com algumas vivências, tomando o mesmo chá, na mesma cadeira para proteger a alma. Não amadurecemos...
Para acalmar nossas dores, manipulávamos o tempo naquela casa sem hora.
- Do que você sente falta, Bel?
Criei uma imagem de Isabel como uma semideusa e acreditava na minha invenção. Achava que ela era diferente de mim, que sua perfeição não alcançava minhas fraquezas de humano. Meus desejos da carne, minhas carências, medos. Para mim, Isabel não sentia nada disso. Mas eu me enganava mais uma vez. Isabel era mulher, humana, tão frágil quanto eu. Sujeita a tudo que eu estava e precisava tanto de mim quanto eu dela.
Isabel começou a chorar na minha frente. Vi dos seus olhos, caírem lágrimas grossas que pingavam no chá. Os olhos amendoados encharcados, Isabel estava toda mergulhada em lágrimas e faltas.
-Sinto falta de Cecília, Téo. Mesmo longe ela se fazia presente nas cartas que mandava e dentro de mim, alimentava a esperança de que ela voltaria. Agora sei que não está aqui e que não voltará nunca mais.
Segurou minha mão e fixou-a em seu peito.
- Sentes, Téo? Sentes a minha dor? É fisica essa queimação dentro de mim, sinto doer bem aqui.
Indicou com a mão onde doía.
Queria sentir a queimação de Isabel, queria tirar a dor que ela sentia. Como eu queria aplacar, pelo menos um pouco, a falta de Cecília dentro dela.
Abraçou-me com vontade de desabar. Senti-a tão fraca que achei que fosse desmaiar em meus braços.
- Não me deixe, Téo. Não me deixe nunca.
Eu não deixaria, por nada.
- Eu te pergunto agora, Téo. Ainda há tempo para sermos felizes?
Toda a vida fui frágil e pessimista, pendurava na força que Isabel tinha para desacreditar na vida. Mas quando ela precisava de mim, uma força estranha crescia, me fazia acreditar que tudo ia ficar bem, que ainda havia tempo. Não sabia como, mas me vinha segurança. Para deixar Isabel feliz, eu seria capaz de qualquer coisa. Inclusive brigar comigo mesmo, romper convicções aparentemente concretas e imutáveis. Era o que eu fazia agora.
- Enquanto houver carnaval e estivermos juntos, sempre haverá tempo.
Secou as lágrimas e me pareceu honestamente mais aliviada. O que me trouxe um orgulho bom, de fazer bem a Isabel, pelo menos uma vez.

Ao sairmos da cozinha, olhei de novo para o relógio na parede. Continuava parado.

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