quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

15- Final Feliz

Chegamos até as ruas, o ponto máximo onde se podia andar de carro. Isabel fez sinal para que eu estacionasse. Desceu do carro e quando viu que eu continuava parado, bateu no vidro da janela.

Era o que faltava, estava próximo do fim, do recomeço. O bloco passava à nossa frente e Isabel tinha pressa para seguir com ele. Pessoas cantavam, dançavam, lançavam suas serpentinas e confetes, eu me esqueci até da fome que tinha. Saí do carro pelo olhar insistente de Isabel, mas ainda me faltava a coragem e a certeza que ela tinha. Segurou minha mão e me arrastou até o meio da multidão carnavalesca, sua voz suave gritava a marchinha o mais alto que podia.
Era assim que terminaria a nossa missão, a nossa aventura, talvez a última delas e a mais importante. Em nossas vidas vazias, de adultos ocupados e quadrados, como todos os outros, algumas coisas haviam perdido o sentido para nós e queríamos mais que tudo recuperá-las. Fomos à casa, enfrentamos a perda, os vultos do nosso passado, a dor, as lembranças, mas entendemos enfim, o que nos faltava. Tínhamos perdido a magia, esquecido o que era de fato felicidade. Aquele grãozinho que se encontra nas coisas mais simples e que vem pequeno dentro de nós até tomar proporções infinitas. Até mesmo Isabel tinha apenas uma vaga lembrança desta sensação de ser feliz.
Depois de tudo que tínhamos feito, realizado, conversado, era só o que nos faltava depois de tanta teoria, o de fato, SER alegre. Isabel me abraçou com toda a força, com grande apego e carinho. Passaram-se anos desde que ficamos amigos, desde nossas brincadeiras de infância, mas nossos pactos de amizade infantis foram verídicos, estávamos juntos agora, como ficaríamos até o fim. Eu tinha aprendido a me desfazer de tanta coisa, de quase tudo que me fazia mal. Alguns medos e inseguranças ainda me acompanhavam, mas eu me sentia tão mais forte! Tinha conseguido consolidar o homem, sem perder o menino que cresceu tímido e sensível, entre as quatro paredes da casa de Isabel.
Uma tranquilidade repousava em mim, uma calmaria que não pensava que seria capaz de sentir. Era sempre tão atordoado por emoções negativas e agora eu não pensava mais na tristeza ou na solidão. O rosto de Isabel refletia a mesma paz. Recordei-me imediatamente do nosso último carnaval, e à todo segundo me vinha um deja vú.
A velha pergunta que fazia a Isabel, mesmo em silêncio. Se havia tempo para sermos felizes, já não me assolava, já me faltava a incerteza natural, característica da minha personalidade. Pensava nas lembranças com uma nostalgia carinhosa, mas enxergava além daquilo, podia ver os horizontes do futuro nos trazendo coisas boas. Começava a entender a importância da casa, de nossos dias lá dentro, daquele carnaval para nossas vidas. Terminamos nossas reflexões à tempo para pegar o último bloco. Isabel segurou minha mão e encostou em seu coração.
- Está sentindo?
Eu sentia, e meu coração tinha o mesmo ritmo que o dela. Não pensamos no dinheiro, não pensamos no mundo, nos problemas, nossas vidas não seriam mais vazias, estávamos salvos eternamente da mediocridade e isso era motivo o suficiente para os nossos sorrisos estampados e constantes.
Era o último dia de festa para os demais foliões, mas o nosso carnaval estava só começando...

Um comentário:

  1. Não vejo a hora de ter o livro em mãos,real! Admiração total por você. Te amo.

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