sábado, 3 de outubro de 2009

1 - A Notícia

Fazia frio. A chuva e a neblina transformavam a vista da minha janela em apenas um vácuo branco. O moletom velho, o chinelo, a barba por fazer. O carnaval pegava fogo nas ruas. As pessoas todas fantasiadas pulavam sem se importar com a chuva ou o frio, mas para mim, os únicos vestígios de carnaval eram os blocos que vez ou outra passavam por aqui e faziam barulho, interrompendo minha solidão silenciosa.
Iria preparar um chá, ver mais um dos filmes antigos e já vistos. Quem sabe aproveitar esse dia tão enfadonho para arrumar minhas gavetas, meu quarto, ou a cozinha. Desde que me mudei para essa casa. Tão grande, tão distante, fico me sentindo assim...
É como se houvesse nesses quartos ou corredores a falta de alguém. E não é possível. Todo o tempo foi assim, só eu e o velho Léo. Bom gato e companheiro. Mas sinto algumas vezes, que até a ele incomoda meu silêncio de sempre. Acho que nem para o meu gato sou boa companhia.
O chá fervia no fogo. Eu me encolhendo de frio, tentava me lembrar o que havia me feito tão triste. Nos últimos anos, a minha vida era sempre a mesma insatisfação. Sobrevivendo do que me foi herdado e vendendo à cada dois verões um quadro. Poderia ser meu fracasso profissional, a distância dos meus familiares. Eu, um homem de poucas palavras e poucos amigos, me via agora em um profundo vazio.
Pensei nos amigos me restavam. Só vi Isabel. Senti falta dela e da sua voz conselheira me dizendo que não era certo alguém tão jovem se trancafiar a essa vida fria. Onde Isabel estaria agora? Provavelmente pulando carnaval por aí,se fantasiando, indo de bloco em bloco.Ah, sim, ela sempre gostou dessa folia!
Isabel foi feita de uma alegria inabalável. Um sorriso que transcendente, uma paz dentro de si. Fico me perguntando de onde ela tirou forças para ser assim.
Voltei a olhar para o chá, fervia. Do lado do fogão a goteira fazia barulho quando a água pingava no balde, e era só o que eu podia ouvir. Com o chá fumaçando fui até a janela, ver o bloco passar de longe.
Aquele cortejo brincante, barulhento e lindo me fazia bem. Era bom olhar aquela alegria, ver aquilo tudo de cima, como um mero expectador do espetáculo que é o carnaval. Acho que na vida fui sempre assim, um expectador. Fico vendo as coisas acontecerem de longe. Não sou nada mais que isso: Permanência e observação. Por isso pinto. Fico vendo as pessoas viverem suas vidas, seus momentos, seus sentimentos. Sempre de longe, sempre neutro. Não retrato nada de mim pois sou apenas essa casca oca sem nenhuma emoção maior. Retrato o mundo à minha volta. As pessoas e como elas me fascinam, a vida em que parece que estou sempre alheio.
Puxei o cavalete com a tela ainda em branco para mais perto da janela, para imortalizar o "meu" carnaval.
O celular tocou. A foto de Isabel sorrindo com um girassol no cabelo, no dia em que fomos à Itaipava. Por um instante hesitei. Pensei em não atende-la. Ia me convidar para uma de suas programações carnavalescas e ia acabar me convencendo porque Isabel tinha mesmo esse poder de persuasão, e eu realmente não queria sair de casa hoje. Mas no fim das contas, sempre atendo.  Não tenho coragem de ignorar minha única amiga restante.

- Olá, Isabel.
- Oi, Téo. Preciso de você.
A voz de Isabel tinha um nó, algo que eu não conseguia definir, mas era diferente de toda voz que eu já tinha escutado dela, contrariando a alegria constante da qual era feita.
- O que aconteceu?
- Pode vir até minha casa? A casa dos meus pais, se lembra?
- Lembro, estou indo.

Desligou sem dizer nada. Algo de muito errado acontecia. Meus olhos se encheram de lágrimas sem saber o porquê. Não pensei muito, não troquei de roupa. Apenas larguei o pincel da mão e corri até o carro. Era preciso entender o que estava acontecendo.
Ainda lembrava o caminho da casa de Isabel, era óbvio. Tinha passado toda a  minha infância e adolescência frequentando aquela casa enorme em Santa Teresa. Meu pai e o pai de Isabel eram antigos amigos de pescaria. Morávamos em casas vizinhas em Arraial do Cabo, e quando nossas famílias decidiram vir para o Rio, o pai de Isabel já estava muito doente e em poucos meses faleceu.
Nós ainda éramos muito pequenos para entender a morte, e acho que nunca crescemos para isso, mas desde então, Isabel e eu nos tornamos mais do que amigos, companheiros inseparáveis de vivências e aventuras. Nossos pais foram muito ausentes durante todo o nosso crescimento, mas tivemos um ao outro em todos os momentos, em todos os mistérios que a vida nos apresentou, fossem eles grandes como a perda de um ente querido, ou como transformar a sala de estar no nosso parque de diversões.
A casa de Isabel tinha cheiro de brincadeira e novidade. Por mais que passássemos todos os dias de nossas vidas, ainda tinham muitas coisas para ver e conhecer. Gostávamos de subir no telhado para ver as estrelas, ou passar o dia nos molhando com a mangueira no jardim, nos pendurando no tecido que ficava preso ao teto da sala, fazendo estripulias até tia Inês mandar a gente parar. Mas de modo geral, não parávamos. Arranjando mais uma série de coisas a fazer.
Todos os quartos da casa ficavam sempre com as portas abertas, eram convidativos, menos o quarto de Cecília, irmã mais velha de Isabel. O quarto dela ficava no andar de cima, e ninguém podia entrar . E talvez por isso, fosse o cômodo mais interessante da casa. Cecília era um vulto, quatro anos mais velha, a distância exata para ser inatingível.
Cecília me fascinava, foi minha paixão de adolescência. Minha paixão platônica que não se desenvolveu nem jamais cessou. Às vezes, até hoje penso nela, no suspense que ela era, naquele jeito diferente de toda pessoa.
Isabel era linda, ainda é. Possui uma beleza medida, no ponto exato de tudo. A pele branca, os cabelos ondulados e escuros, atingindo a metade das costas. Os olhos amendoados e um olhar fulminante. As expressões bem feitas e o sorriso preenchido de toda a alegria. Cecília era diferente. Cortava os cabelos curtos, estava sempre tingindo de todas as cores, tinha uma vaidade diferente, ou talvez nem tivesse. Enquanto Isabel reservava um jeito delicado e romântico ao se vestir e se portar, Cecília era o mais incoerente possível. Isabel era indiscutivelmente mais bonita. Mas sem aquele mistério.
Em todos os anos que frequentei a casa de Isabel. Tantos cafés da manhã, almoços, jantares, poucas palavras troquei com Cecília e somente uma vez entrei no seu quarto, no meio de uma madrugada, quando ela não estava e Isabel dormia profundamente.
De todas as formas que imaginei o quarto de Cecília, ele conseguia ser ainda mais interessante. Poesias escritas na parede, quadros, imagens, tudo meio bagunçado, mas como se as coisas estivessem todas devidamente em seu lugar. Encostada na parede, uma cama grande e baixa, os sapatos espalhados pelo chão, fotos tremidas em portarretratos, pouca coisa se entendia. Garrafas secas de bebida, pedaços cortados de cabelo, tintas abertas. Era como um mundo novo, um mundo todo dela. E o seu quarto foi para mim, até hoje, sua maior tradução.
Cecília estava sempre na rua, sempre entrando e saindo com os mesmos amigos esquisitos. Nunca falavam comigo e o máximo que ela me dirigia era um sorriso tímido e vazio. Havia algo nela de melancolia que não ia embora nunca. Estava constantemente nos seus olhos aquela sombra de dor. E como se Isabel fosse seu extremo oposto, era toda felicidade e transparência.
Passando pelas ladeiras de Santa teresa, fiquei me lembrando de como era gostoso descer tudo aquilo com Isabel para comprar balas, ou ir buscar alguma coisa no mercado quanto Tia Inês precisasse. Como era bom soltar o controle da bicicleta e deixá-la descer sentindo o vento no rosto. E quando ainda éramos pequenos demais para acompanhar os blocos, nos fantasiávamos e íamos pelas ruas cantando marchinhas. Tantas coisas vividas!
Isabel se mudou cedo de casa, logo depois de Cecília. Conseguiu ser independente e lidou muito bem com a ausência dos pais e falta de estabilidade na vida. Rápido trabalhou e pôde se mudar. Desde que era uma menininha com tranças quase arrastando no chão, dizia que não se sentia bem na casa dos pais. Fazia muito tempo que Isabel não não voltava lá, muito tempo que ela nem mencionava a casa dos pais. O que fazia ali e daquele jeito?
Fui vendo o muro da casa de Isabel e foi me batendo uma emoção estranha. Uma nostalgia, afinal, a minha vida estava guardada por aquela casa. À porta da casa estava Isabel.
Vestida e maquiada de colombina, aparentemente pronta para mais um dia carnavalesco. Mas nos seus olhos uma expressão enigmática.
Parei o carro na frente da casa. Ela pareceu não se importar com o que eu vestia. Correu até meus braços e me abraçou muito forte, o mesmo abraço do velório do pai. De repente, o nó que estava em sua garganta no telefone mais cedo, se desfez.
- Cecília Morreu.
E desatou a chorar.
Depois que Cecília saiu de casa, tomou o mundo afora. Estávamos na sala reunidos, assistindo "Hair". Já era clássico assistirmos eu, Isabel e Tia Inês aos fins de semana. Ouvi os passos de Cecília descendo as escadas de seu quarto, eu sempre ficava tenso, uma descarga de adrenalina possuia meu corpo todas as vezes que isso acontecia. Cecília tinha uma mochila nas costas e apenas disse que ia embora para sempre. Ouvi-a dizer algo à Tia Inês sobre precisar se encontrar. Tia Inês correu com Cecília para o jardim e ficaram conversando até escurecer e nós apenas ouvíamos os gritos de Tia Inês. Quando chegou a noite, tia Inês voltou com lágrimas nos olhos e mandou Isabel ir se despedir de Cecília. Não fui, mas fiquei vendo da janela ela entrar no ônibus com a mochila nas costas, e desde então, o máximo de contato com Cecília era através das cartas e postais que ela mandava para Isabel.
De novo a descarga de adrenalina de tempos atrás quando encontrava Cecília. O que estava acontecendo?
Isabel parada na casa dos pais, com aquela voz estranha, aquele abraço apertado que ela só usava em velórios e outros dias muito tristes e aquela notícia sem explicação.  Tal assombro me fez empalidecer.
- Como, morreu?
Isabel não conseguia dizer nada. Segurava-me forte ainda, soluçando. Apertava meus braços com muita força, como para aliviar a falta que pesava dentro da sua alma. Fiquei abraçado à Isabel, sem solta-la, com ela encostada em meu ombro, ouvindo a batida alta e forte do seu coração machucado em um silêncio ensurdecedor, até Isabel me entregar uma folha de papel meio amassada que tirou de dentro da fantasia.
Tremendo abri o papel:
"Ainda preciso me encontrar.

Cecília."

Isabel me puxou para a calçada, sentamos. Respirou fundo para criar forças.
- Eu já estava pronta para sair quando Cecília me ligou e disse que estava na casa da mamãe, que tinha parado de viajar para sempre e que queria me ver. Eu disse que estava de saída, mas ela pediu para que eu viesse vê-la ainda hoje, insistiu na urgência e disse que a chave estaria no mesmo esconderijo de sempre. O tapete à porta de casa.
Respirou mais fundo.
- Entrei em casa ansiosa, gritando por Cecília. Queria muito vê-la depois de todos esses anos. Corri até seu quarto e lá estava ela...
Abracei Isabel mais forte, mas ela escapou dos meus braços. Precisava respirar.
- Cecília se matou, Téo. Cortou os pulsos com aquela velha tesoura que cortava os cabelos. Lembra?
Desatou em um choro desesperado mais uma vez.
- Será que eu demorei? O que ela queria me dizer? Eu poderia ter impedido? Me desculpa, Téo. Eu não queria te incomodar, mas é o único a quem posso recorrer.
Aquela confusão ainda estava dançando em minha mente. A ficha de algumas coisas demora mesmo a cair. Aquilo era ainda mais complicado porque minha única e verdadeira fonte de alegria se derramava no choro mais sofrido que eu já tinha visto e precisava tanto de alento, tanto de mim. E a história toda ainda procurando fazer sentido na minha cabeça.
Olhei de novo para ela, dessa vez tentando me abster da história, de novo como o simples expectador que sou, e fiquei assistindo a cena. Aquela colombina de maquiagem borrada, sentada naquela calçada com o fundo no muro verde e a copa das árvores aparecendo. Aquele olhar triste, aquela tristeza toda... Tristeza que eu só vi igual na própria Cecília, embora nunca a tenha visto chorar e por mais incrível que pareça, estava sempre rindo, conseguia ter naquele sorriso enorme abismo de tristeza.
Me dei conta mais uma vez de como Isabel era bonita. O Cenário e toda aquela emoção ajudavam, mas era tão bem feita...Não havia nada de errado, nada de mais ou de menos, era exata. Aquela alegria, aquela segurança inabalável, aquele jeito de Isabel de sempre tocar a vida para frente  não importando o que acontecesse. Ela que sempre me tirava das piores depressões, dos maiores momentos de solidão e vazio, ali, desabando na minha frente. E eu queria mais que tudo poder tirar aquela dor de dentro dela.
-Tem certeza de que ela esta morta? De que não há jeito de salva-la? De repente se nós chamássemos a ambulância...
Isabel levantou a cabeça sem forças.
- Acho que é o que temos que fazer.
A ambulância demorou para chegar. Em tempos de carnaval, parece que tudo para. Inclusive os hospitais. Ficamos vendo o corpo de Cecília já sem vida ser levado. Em alguns sonhos eu me imaginava encontrando Cecília novamente. Pensava em onde ela poderia estar, lembrando dela descendo as escadas naquela melancolia poética.
Olhei para os olhos bem feitos de Isabel, pareciam perdidos. Seguimos para o hospital esperando uma notícia, uma confirmação. Sabíamos que não teria jeito, mas ainda assim nos abraçávamos em um fio de esperança.
Como eu já esperava, nos disseram que Cecília estava morta e que teríamos uma série de coisas para resolver. Estávamos perdidos.Eu não fazia a menor idéia de como proceder e Isabel muito menos, fantasiada de colombina e chorando sem parar.
O hospital comunicou que nada poderia fazer por nós. Como a morte não havia sido natural, teríamos que chamar a polícia.
Boletim de ocorrência, autópsia, IML, enterro. O processo quase interminável nos exigia praticidade e uma dose imensa de realidade, da qual não queríamos provar. Sem dormir, sem pensar, sem querer crer no que nos acontecia, Isabel e eu enfrentamos uma maratona de burocracias e problemas, tentando lutar contra nossos corpos que pediam por tranquilidade, colo e calor.
Feito tudo o que nos cabia, exaustos, sugados até as últimas forças, encostamos na porta do carro, sem saber que direção tomar.
- O que você quer fazer agora?
Estava disposto a realizar qualquer vontade dela.
- Quero ir para casa.
- Para a sua casa?
- Não. Para a casa dos meus pais.
- Não te fará mal?
- Quero ir para casa.
Respondeu mais forte e foi o suficiente.
Entramos no carro e seguimos em silêncio. Isabel olhava para a janela e eu ficava tentando desvendar o seu olhar, seus pensamentos. Não sabia com que forças ainda dirigia, que razão ainda me controlava. Quando finalmente chegamos, Isabel saiu depressa do carro, tinha pressa de entrar, enquanto eu coordenava lentamente os meus movimentos.
Abri a porta para Isabel.
Eu tinha medo do que encontraria pela frente. A casa estava fechada desde que Tia Inês havia voltado para Arraial do cabo, onde morávamos ainda muito pequenos. Eu tinha medo de entrar. Era como entrar de novo na minha infância e adolescência, na minha vida inteira que tinha ficado para trás. Eu sabia que Isabel se sentia da mesma forma. Mas diferente de mim, era destemida, ia à frente, como se estivesse pronta para qualquer coisa e para sentir qualquer emoção que fosse, mesmo sabendo que não aguentaria mais muitas coisas por hoje.
O primeiro andar era a garagem, onde ficavam toda as coisas que não tinham lugar no resto da casa. Varas de pescar, brinquedos antigos, velhos quadros.
A primeira coisa que vimos foi a casinha do cachorro, o bom Bóris. Isabel ganhou Bóris no seu aniversário de sete anos. Eu ainda me lembro da sua expressão se surpresa ao ver o cachorrinho com um laço vermelho.Toda a felicidade transparecendo. Bóris morreu faz anos, foi um bom cachorro. Uma morte sem choro, Isabel sabia que o companheiro precisava ir.
O que mais me impressionava em Isabel era o seu poder de compreensão. Ela realmente se conformava  quando as coisas seguiam seu curso natural. E talvez por isso, estivesse tão inconsolável agora.
Subimos a escada que dava para a sala, continuava exatamente como da última vez que a vimos. A estante de livros, o sofá, o tecido preso ao teto, os livros de fotografia em cima da mesa, os quadros, os enfeites trazidos das viagens, tudo exatamente no mesmo lugar, como se tivesse parado no tempo.
De novo me veio aquela carga de adrenalina. Era como viver tudo outra vez.
- Téo...
A voz de Isabel era fraquinha.
- Está sentindo o que eu estou sentindo?
- Estou sim, Bel.
Segurei a mão dela, enconstei-a em meu peito, para que ela pudesse sentir meus batimentos cardíacos. Ela me abraçou forte(não tão forte como da última vez).
Sussurrou em meu ouvido com uma voz doce e suave.
- Obrigada por estar aqui.
Beijei sua testa. Mesmo tão triste e tão transtornada, com a fantasia torta e um resto de maquiagem borrada, Isabel conseguia ser linda demais. E talvez por essa tristeza toda, estivesse incrivelmente parecida com Cecília.
Isabel se deitou no sofá e eu logo em seguida, sentindo a espuma afundar. Tinha me esquecido durante anos a sensação de deitar naquele sofá. A casa tinha o mesmo ar de novidade muitos anos depois.
- Téo, será que podemos ficar aqui uns dias? Esquecendo de nossas rotinas, deixando para lá a vida que vivemos agora e ficarmos juntos aqui, como fazíamos enquanto ainda éramos crianças e não tínhamos essas preocupações?
Os olhos de Isabel me suplicaram e eu seria incapaz de lhe negar qualquer favor. Fosse o que fosse, eu estaria ao seu lado.
- Podemos, se é o que você quer.
Segurei sua mãozinha pequenina, delicada e branca.
- Téo...
Deixou a voz ecoar pela sala.
- Lembra quando meu pai morreu e eu te perguntei se mistérios como a morte ficavam menores quando a gente crescia?
Consenti com a cabeça. Eu, à propósito, pensava nisso naquele exato instante.
- Sabe Téo, ficam maiores ainda quando perdemos a inocência.
Um silêncio invadiu a sala e eu ainda segurando a mão dela.
- Bel, se você nunca se sentiu bem aqui, por que voltar para cá logo agora?
Respirou fundo como daquelas vezes na calçada.
- Eu estava errada, Téo. Eu sonhava tanto com a vida fora dessa retoma, fora da barreira que criamos dentro dos limites dessa casa, imaginava tudo diferente. Hoje vejo que o que eu achei que era uma prisão, é na verdade ,um refúgio.
- E vai ficar bem aqui, perto de todas essas lembranças?
Perguntava como se minha preocupação fosse apenas com ela, mas por dentro, eu mesmo era quem estava com medo.
- A casa vai nos ajudar nesse momento. Essas lembranças são nossas vivências, vão nos lembrar dos nossos sonhos. Como tínhamos sonhos, Téo! Essa casa vai nos ajudar a sermos felizes outra vez, como fomos aqui. Você se lembra?
Eu me lembrava. Me lembrava muito bem de todos os momentos passados e de como éramos felizes entre as paredes daquela casa. Era como se nunca tivesse um fim, fosse sempre uma aventura.
Isabel deitou no meu colo e apoiou no  encosto do sofá seus pés, em meias listradas.
- Entende que essa casa é mágica? Aqui podemos ter a idade, a lembrança, o dia que quisemos. Está tudo aqui. Nossa vida, Téo. Protegida nessa casa.
Fiquei passando meus dedos entre os cabelos ondulados e macios de Isabel e admirando o jeito encantador que ela manteve ao longo dos anos.
- Sabe do que eu tenho vontade agora?
Os olhos de Isabel brilharam de um jeito especial, de um jeito de criança.
- Que tal se fossemos arrancar amoras no jardim para fazer geleia, como fazíamos?
Eu só queria deitar e dormir, pensar no que tinha acontecido. Ainda era tudo muito confuso e Isabel sempre me surpreendia com suas vontades.
- Téo, eu escolho agora ter nove anos e passear pelo jardim colhendo amoras e manchando as roupas.
Se levantou de pressa, ainda trajando a fantasia e se dirigiu ao jardim com a antiga cesta de colher amoras na mão. Eu achava muito cedo para brincadeiras. Ela falava sério?
- Me acompanha?
Piscou o olho em convite.
Perco a resistência, desisto de minhas opniões, sucumbo à todas as vontades de Isabel.

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