domingo, 18 de outubro de 2009

6- Batom vermelho

Isabel me deixou na sala esperando, disse que tinha uma surpresa. Já fazia muito tempo que eu estava no sofá, olhando para o nada, esperando Isabel chegar com a tal surpresa. Quer dizer, não sabia se era muito tempo. Não tinha relógio, não tinha noção. Mas aquela espera ansiosa dava a impressão de cerca de quarenta minutos.
A tarde se despedia, de fora da janela. O mundo rodava fora das paredes, mas dentro da casa, da sala, tudo permanecia estático.
Isabel falou alto de dentro do quarto.
- Téo, feche os olhos.
Obedeci. O que será que ela queria?
- Pode abrir.
A voz soou mais próxima de mim.
Abri os olhos e estava Isabel na minha frente, com duas taças de vinho na mão.
Isabel tinha os cabelos ondulados soltos, um olhar diferente. Me estendeu uma das taças.
Olhei suas mãos, notei o decote do vestido, o seu colo, o colar no pescoço e na boca, em tom vibrante, um batom vermelho. Percebendo meu olhar de admiração, Isabel sorriu.
- Gostou?
Ficou mais distante para que eu pudesse observá-la. O vestido destacava a forma bem feita do corpo, o desenho da sua cintura, das suas costas e cobria as pernas, mas essas ficavam marcadas na seda.
- Você está...Diferente.
Isabel tinha um ar estranho. Onde estava a menina que chorava agarrada à boneca de pano? Estava tão mulher, tão madura e aquele batom vermelho...
O que estava fazendo? pensando? Que idade teríamos agora? Não conseguia entender sua mudança abrupta de comportamento.Estava perdido, confuso. Meus músculos tensos me tornaram imóvel. O que ela queria com isso?
De fato, era uma grande surpresa. Ainda assustado com a sua atitude e o olhar que agora me dirigia, mas encantado com a nova face de Isabel que se revelava para mim. Ela estava sempre me surpreendendo.
Segurou a taça delicadamente, sorvia o vinho tinto devagar.
- Diferente ruim?
Não sabia definir o que estava mudado, mas algo que eu nunca tinha visto, brotava dos seus olhos amendoados e quase castanhos. Não sabia explicar, não sabia entender, mas ruim não era. Estava hipnotizado. Não conseguia parar de olhar para os seus olhos, seu vestido e seus lábios tão vermelhos.
- Não. Diferente muito bom.
Sempre achei Isabel linda, mas nunca disse a ela. Contava a ela tudo que pensava, mas sobre isso nunca senti necessidade. Mas agora sentia, sentia muito forte o desejo de dizer a ela o quanto estava linda, o quanto era linda.
- Isabel...
Ela olhava para a janela pensativa, observando a noite chegar Se virou para mim e seu olhar me deixou zonzo, foi profundo. Aumentou a vontade que eu tinha de contar a ela o quanto era bonita.
- Você é linda.
A voz saiu leve e baixa, quase como um sussurro. Uma vergonha engraçada, uma sensação esquisita, mas precisava dizer. Sorriu satisfeita, sem a vergonha habitual que lhe corava as bochechas ao receber um elogio, Isabel sabia que estava bonita.
Levou a taça de vinho até a boca, acompanhei o movimento do gole. Ela não se incomodava com a minha observação, parecia nem notar.
- Téo, saberia definir o que é desejo?
Não sabia. Eu era muito ruim para definir sentimentos. Sentimentos estão dentro de nós, mexendo e brincando com as nossas ações, nossos corpos. Era difícil expressar em palavras o que nos acontecia. Acho que desejo era aquilo que eu estava sentindo olhando para Isabel. A vontade incontrolável de elogiá-la, a comichão e aquele desconcerto ´que eu estava só de olhar para ela, com aquela beleza toda.
- Acho que são vontades incontroláveis.
Balançou a cabeça um pouco, pensando na resposta. Eu, como sempre, não tinha certeza do que dizia, apenas respondia para dar, qualquer que fosse, uma resposta a Isabel.
- Discordo. Às vezes os desejos são controláveis.
Me olhou de novo daquele jeito fulminante.
- Acho que desejo é a vontade de não se controlar.
E riu da própria resposta.
Eu ainda hipnotizado acompanhava os movimentos dos lábios vermelhos de Isabel.
- Partindo da minha definição, já sentiu algum desejo muito forte, Téo?
Ela parecia entender o que acontecia dentro de mim melhor que eu, como se manipulasse as sensações que percorriam o meu corpo todo. Não sabia o que era desejo, não sabia o que era aquilo que me tomava ao olhar para ela.
Isabel estava tão diferente. Até eu estava diferente. Não conseguia me afastar na cena para assisti-la como expectador, não conseguia tirar os olhos dela nem responder suas perguntas.
- Acho que sim.
Falei rápido. Tentando evitar que Isabel percebesse as modificações em mim. Tarde demais, eu acho. Já escorregava no sofá e suava frio.
Estalava os dedos, o incômodo e a comichão.
Isabel parecia entrar dentro de mim com seu olhar e ler meus pensamentos, minhas sensações, o meu desejo.
- Eu acompanhei seu crescimento. Você passar de um menino magrelo a um homem. Barba, mudança de voz, vi você mudar. Mas acho que você nunca notou que eu virei mulher, não é, Téo?
Ela estava enganada. Eu notei sim. Notei desde que ela entrou na sala trajando o vestido longo de seda, usando aquele olhar malicioso de quem já cresceu. Notei no corpo marcado ela seda, no tom de voz arrastado e macio e no porte que ela tinha para carregar nos lábios um batom tão vermelho.
Não deixou que eu respondesse, continuou a falar.
- Mas não se culpe. Nem minha mãe, nem você, muito menos Cecília, que guardava na memória a lembrança de uma criança levada que corria a casa inteira.  Virei mulher dentro de mim, sem dizer ou mostrar a ninguém.
Ela não tinha ideia do quanto estava mostrando e do que me causava essa Isabel-mulher.
Bebeu o que restava de vinho na taça.
- Ah Téo, e eu te enchendo com as minhas tolices.
Não eram tolices. E mesmo que fossem. Estava tão bom ouvir a voz dela, acompanhar o movimento dos seus lábios, suas expressões. Eu nunca tinha visto Isabel daquele jeito e agora podia passar a noite inteira observando-a.
Mas se levantou antes que eu dissesse alguma coisa, pegou nossas taças secas do chão e levou até a cozinha. O corpo estava perfeito marcado na seda e observá-la me dava uma sensação de vertigem, estranhamente deliciosa. O batom vermelhou tocou meu rosto em um beijo. Tive vontade de dizer para ela não ir embora, não tive forças.
- Boa noite, Téo.

2 comentários:

  1. Porque Isabel? Não podia deixar como Luisa?! era lindo, ainda é, mas sei lá... não tenho o mesmo sentimento quando leio com Luisa e com Isabel. hahaha

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  2. tá muito bem escrito e bacana, dá pra imaginar tudo direitinho e isso é fantástico.
    acho que você podia botar mais capítulos de cada vez, ou com mais frequência, porque eu, pelo menos, perco o interesse ou esqueço depois de tanto tempo sem ler..

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